domingo, 22 de agosto de 2010

O CÃO


Eu olhava para o cão branco, atropelado pelo taxista indiferente, morto no meio da rua, e o cão malhado fazia o mesmo na outra margem daquele rio de sangue, impotente junto ao meio-fio, ansioso por aproximar-se do amigo, sem que a rua perigosa lhe desse uma trégua. Juro que até aquele momento achei que só o homem, em sua natureza atípica, fosse capaz de dar a si mesmo, e ao mesmo tempo, dois comandos tão antagônicos como agir e esperar. Mas o cachorro do outro lado da rua se via no mesmo conflito, e eu me vi nele, e foi um desses momentos em que se tem a noção clara de que somos todos parte de uma coisa só. E me senti mais distante do meu semelhante genético - aquele dentro do táxi, a alguns metros, junto ao semáforo vermelho, com as portas e as janelas fechadas - do que daquele cão, vira-lata confuso como eu, com tração nas quatro patas, procurando um lugar neste mundo. Perdi no resto do caminho o sorriso que guardei para os colegas, e imaginei uma ruga a mais para o rosto no quadro escondido atrás da minha porta.